Os Direitos Humanos Fundamentais

Por: Ferreira Caetano
Licenciado em Direito pela Universidade Católica de Angola
Investigador e Director do Gabinete Jurídico do ODFA


Resumo:
 Nos dias de hoje, não é possível imaginar um Estado, cujos direitos humanos essenciais não sejam reconhecidos. Todos eles reconhecem-nos, ao menos aqueles que consideramos como sendo essenciais ao desenvolvimento integral do homem, nos seus ordenamentos jurídicos. Estes direitos não são criados por uma entidade oficial, mas se fazem valer, por si só, enquanto garante da dignidade da pessoa humana, cujo respeito constitui um pilar de qualquer estado democrático de direito. 

Palavras-Chave:
 Direitos humanos; direitos fundamentais; cláusula aberta; direitos civis e políticos; direitos económicos, sociais e culturais; reserva do possível; proibição do retrocesso; direitos da colectividade.

Abreviaturas:
 CRA – Constituição da República de Angola; ONU – Organização das Nações Unidas; Vs. – Versus.

Sumário:
 1. Introdução; 2. Origem dos Direitos Humanos;   3. Direitos Humanos vs. Direitos Fundamentais; 4. Noção de Direitos Humanos Fundamentais; 5. As principais características dos Direitos Humanos; 6. As principais gerações dos direitos humanos; 7. Considerações Finais; 8. Bibliografia.


_____________________
(*) Director do Gabinete Jurídico do Observatório de Direitos Fundamentais Angolano

1.  Introdução


 O presente trabalho tem o condão de servir como uma “Introdução aos Direitos Humanos”, apresentando as linhas-mestras para possíveis e melhores desenvolvimentos. Portanto, o objectivo não é que se dê como terminado a presente problemática, mas que, isso sim, sirva de contributo para o seu afloramento.
A nomenclatura direitos humanos/direitos fundamentais não apresenta diferenças substanciais, ainda mais na nossa Constituição pelas garantias que elas nos fornecem. 
 As necessidades do homem tendem a evoluir, alargando também o seu grau de aspirações para com o seu Estado. Cada facto social, político, económico ou cultural faz o homem ter cada vez mais aspirações diante do Estado, que, afinal, é o gestor do poder que lhe foi conferido pelas pessoas atravéz do denominado “Contrato social”.
Estes ideais têm sido evidenciados pelo fenómeno das “gerações dos direitos humanos”; Estes direitos são um dado adquirido pois homem algum tem a possibilidade de abolí-los. Eles apresentam-se como sendo, em primeira linha, direitos contra o Estado totalitário e transformaram-se, depois, em um verdadeiro impulso para o desenvolvimento integral da pessoa humana.  

2.  Origem dos Direitos Humanos


 Não é possível divisar com toda a certeza o período em que se começou a dar importância aos direitos humanos. Eles têm sido uma conquista de cada época, sendo certo que o rol de direitos fundamentais tende a aumentar porque aumentam também as necessidades humanas. Neste sentido, eles são conquistados e não outorgados.
 Importa, porém, destacar dois grandes marcos históricos que sublinham uma maior atenção ao homem:
 a). A Revolução Francesa da qual proveio a Declaração Dos Direitos do Homem, em 26 de Agosto de 1789. O seu principal marco foi a implementação de um ideal de limitações aos “superpoderes” do Estado, principalmente no que concerne ao respeito à liberdade individual na questão da legalidade na cobrança dos impostos; 
 b). A II Guerra Mundial, através do qual a ideia do individualismo estatal foi profundamente ultrapassado e a generalidade dos Estados passaram a reconhecer que, com os horrores da guerra, estava clara a necessidade de mobilização em prol do reconhecimento de um conjunto de direitos inerentes à pessoa humana (1). A Declaração Universal representa a consciência histórica de que a humanidade tem os seus próprios valores fundamentais.

                                                          
(1) Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU de 1948

3.  Direitos Humanos vs. Direitos Fundamentais


 O Direito Constitucional dos Direitos Fundamentais é a protecção mais forte que se é dada à pessoa humana pois, como refere Jorge Bacelar Gouveia, “em nenhum outro lugar do Direito Positivo estadual se pode dar…tanta protecção à pessoa como pela consagração de direitos fundamentais" (2).  
 Portanto, esta protecção não só lhe é dada pelo Direito Constitucional dos Direitos Fundamentais, apesar de ser essa a tutela mais efectiva; ai temos outros ramos do direito que vêm dar uma tutela, embora mais ou menos enfraquecida, em relação ao Direito Constitucional, à pessoa humana.                       
 O corpo a que, no Direito Internacional Público, chamamos de direitos humanos são, na verdade, um conjunto de positivações dos mais variados textos constitucionais dos diversos estados.
 Assim, no essencial, existe uma perfeita sincronia entre os direitos fundamentais constitucionalizados e o Direito Internacional dos direitos humanos (3); sendo certo que nem todos os Estados acompanham ao mesmo ritmo a formalização dos direitos humanos, é certo, também, que os direitos humanos, quando inovadores, servem, ao menos, de alerta para os legisladores internos no sentido de acompanharem a dinâmica social e preverem, nas suas ordens jurídicas, novos direitos humanos. Nesse caso, a principal distinção entre direitos fundamentais e direitos humanos é que estes vêm consagrados sob a égide do Direito Internacional Público e aqueles, já estão tipificados nas constituições dos Estados; porém, no nosso ordenamento jurídico as normas que versam sobre direitos fundamentais, embora não expressos na nossa constituição, não deixam de ser materialmente constitucionais; portanto, é de pouca utilidade a distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais. Assim, e seguindo de perto De Almeida, M. Próspero (4), Quanto à classificação dos direitos fundamentais, temos:
a).        Direitos fundamentais formalmente constitucionais;
b). Direitos materialmente fundamentais fora do catálogo dos direitos fundamentais, mas exparsos na própria Constituição;
 c).       Direitos materialmente constitucionais resultantes dos princípios e regras constitucionais; 
d). Direitos materialmente constitucionais constantes de dispositivos infraconstitucionais e de instrumentos de Direito Internacional sobre Direitos Humanos. 
                                                          
(2)                Cf. Jorge Bacelar Gouveia, Manual de Direito Constitucional, vol.II, Coimbra, 2014, Pág. 299
(3)                Vide. M. Próspero de Almeida, da materialidade constitucional dos direitos fundamentais… (4) Ibidem
Em consequência do Princípio da Cláusula Aberta (5) (6) (art. 26.º, CRA), todas as normas respeitantes a direitos humanos, ainda que não incorporados na nossa Constituição, são dela parte integrante, diluindo-se, assim, o interesse prático em distinguir os direitos humanos dos fundamentais pois, em via de regra, eles serão sinónimos. Por isso, por razões didáticas, abarcamos todos eles num único conceito o de “direitos humanos fundamentais”(7) Ou, quando nos referirmos a eles distintamente, valerão como sinónimos.

4.  Noção de Direitos Humanos Fundamentais

 É muito fácil determinar quando é que certa acção é ou não contrária aos direitos humanos. Para tanto, basta que se verifique que ela viole a dignidade da pessoa humana. Entretanto, já não é tão pacífica assim a missão de estabelecer um conceito de direitos humanos fundamentais.
            Do pequeno estudo feito, achamos pertinentes duas principais definições:
 Uma, para a qual, «…os direitos fundamentais são as posições jurídicas activas das pessoas integradas no Estado-Sociedade, exercidas por contraposição ao EstadoPoder, positivadas no texto constitucional…» (GOUVEIA; 2014).
 E para outra segundo qual «Os Direitos Humanos são um conjunto de direitos, positivados ou não, cuja finalidade é assegurar o respeito à dignidade da pessoa humana, por meio da limitação do arbítrio estatal e do estabelecimento da igualdade nos pontos de partida dos indivíduos, em um dado momento histórico» (FILHO; 2012).
 Preferimos esta última noção que nos parece ser a mais suficiente para abarcar as diversas vertentes dos direitos fundamentais. É que, e com a devida vênia, Jorge Bacelar Gouveia apresenta-nos uma definição demasiadamente restrita aos direitos fundamentais de 1ª geração, por serem eles que são exercidos como forma de repelir as intervenções abusivas do Estado. Mas, como se verá(8), os demais direitos já trazem uma vertente muito mais activa para o Estado. São verdadeiros direitos a prestações positivas por parte do Estado. 

5.  As principais características dos Direitos Humanos

 Os direitos humanos como um conjunto de direitos variados, pelo seu surgimento e até eficácia, apresentam várias características que em si abundam.
                                                          
(5) MACHADO, E. M. JÓNATAS/ DA COSTA, PAULO NOGUEIRA/ HILÁRIO, CARLOS ESTEVES,
Direito Constitucional Angolano, 4ª ed., Petrony Editora, 2017.
(6) DA COSTA, Dalvan Alílio Herculano, objecções normativasin Revista Juris, vol. I, Estudos em homenagem ao professor Adérito Correia, pág. 62, Faculdade de Direito da Universidade Católica de Angola, 2016.
(7) Como também o faz FILHO, Casado Napoleão, Direitos Humanos Fundamentais, in Saberes do Direito 57, Saraiva Editora, 2012.
(8) Infra, ponto 4.3
Logo, algumas delas são mais pacíficas que outras, razão pela qual passamos a citar aquelas que achamos ser mais comuns e, por isso, pouco contestáveis: 

            a). A Universalidade (9)

 Isto significa que os direitos humanos têm carácter universal; são aplicáveis à todos os seres humanos, independentemente de raça, sexo, idade, convicções religiosas, etc...Esta característica é tão essencial que ela é enunciada, pela doutrina e várias constituições (10), como sendo um princípio universal. Esta ideia de universalidade é tão cara à qualquer democracia liberal que se justifica que seja um dos princípios basilares para a teoria geral dos direitos fundamentais. 
Esta ideia de universalidade não pode deixar de estar estreitamente ligada ao princípio da igualdade, na medida em que, se todos os seres humanos têm dignidade suficiente e necessária para que lhes sejam reconhecidos todos os direitos humanos(11), é lógico também que, em princípio, todos os homens mereçam que lhes sejam reconhecidos, em igual medida, os mesmos direitos.
 A nível internacional, basta que invoquemos o art. 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 para sopesar a sua importância:
«…Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos […] devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade…»

             b). Imprescritibilidade

 Com isto se quer dizer que os direitos humanos não são direitos sujeitos a prazo; eles não prescrevem nem caducam. A partir do momento em que são fixados, passam a vigorar ad eternum, ainda que um Estado lhes venha limitar. Nesse caso não se diz que é o direito em si que se extinguiu, mas que o Estado deixou de os prever na sua ordem jurídica. Entretanto, afirmar que os Direitos Humanos sejam imprescritíveis não significa que os crimes contra tais direitos também o sejam. 

             c). Historicidade

 Por serem reivindicações morais de uma sociedade, os direitos humanos nascem quando devem e podem nascer. Segundo Norberto Bobbio (12), «os direitos humanos não nascem todos de uma vez nem de uma vez por todas». 
                                                          
(9)   FILHO, Casado Napoleão, ob. Cit…
(10)             Cf. Art. 22.º, CRA
(11)             Aqui a expressão direitos humanos vem, essencialmente, exprimir a ideia de todos os direitos que estão intrinsecamente ligados ao homem, como e enquanto tal; portanto, é numa vertente mais jusnaturalista a que nos referimos.
(12)             Apud, FILHO, Casado Napoleão, ob. Cit
Hannah Arendt, por seu turno, celebrizou-se ao dizer que “os direitos humanos não são um dado, mas um construído” (13). 
 Assim, temos que os Direitos Humanos são uma criação humana em constante mutação. Nunca vai existir um rol taxativo de direitos humanos. Eles tendem a evoluir com o passar dos tempos. 

             d). Aplicabilidade imediata e caráter declarativo

 Com esta característica queremos simplesmente dizer que pela importância que os direitos humanos possuem no ordenamento jurídico, eles devem ser assegurados independentemente de normas regulamentadoras. Ou seja, pelo simples facto de terem sido declarados, já devem estar a disposição de todos.
 Mas só se pode exigir a um Estado que respeite os direitos humanos quando ele, ao menos, tenha ratificado a convenção que declara tais direitos. Mas essa enunciação tem carácter meramente declaratório, já que o facto de um diploma legal o prever não implica, de modo algum, que ele passa a existir a partir daí. Por isso mesmo entendo que os direitos humanos não são criados, são reconhecidos. Eles constituem uma conquista de cada geração, ao longo dos tempos.

6.  As principais gerações dos direitos humanos 

 Apesar do tema estar tipificado como “gerações dos direitos humanos”, esta enunciação não se afigura como sendo a mais correta. A ideia de gerações pode levar o caro leitor ao equívoco de pensar que eles sobrepõem-se aos outros com o passar dos tempos. Eles são um dado adquirido e continuam sendo atuais em qualquer etapa de desenvolvimento das sociedades. Por isso, parece-me mais adequado denominar-se “dimensões dos direitos humanos”(14), termo este que melhor exprime a ideia de que os direitos humanos são como as necessidades humanas, variam. Por isso, faz sentido que os contextos, emoções e necessidades justifiquem uma dinamicidade dos direitos, sem, entretanto, deixarem de ter importância e actualidade para o homem.

             a). Direitos da 1ª geração: Os Direitos Civis e Políticos

 Estes direitos constituem a primeira grande dimensão de respeito pelos direitos humanos. Caracterizam-se por, essencialmente, serem uma forma de limitação do Estado há atropelos contra a dignidade da pessoa humana. Estes direitos implicam um “nãofazer” do Estado; impõe limitações que não devem ser violados por dizerem respeitos à direitos inerentes ao homem.

                                                          
(13)             Idem
(14)             FILHO, Casado Napoleão, Idem…
Entre os Direitos Civis e Políticos previstos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU, de 1948, destacamos os seguintes: direito à vida e à liberdade (art. 3º); igualdade de todos perante a lei (arts. 2º e 7º); liberdade de expressão (art. 19º); direito à reserva da intimidade privada (art. 11); presunção de inocência (art. 9º); liberdade de associação (art. 20º) e liberdade de religião (art. 18º)(15).
 O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos que foi concluído em 1966, mas só entrou em vigor em 1976 (devido ao nº necessário de ratificações), vem desenvolver esse rol de direitos presentes na Declaração Universal e apresentar algumas novidades, tais como: os direitos da criança e das minorias, previstos nos arts. 24º e 27º do Pacto. 

             b). Direitos da 2ª geração: Os Direitos económicos, sociais e culturais (16)

 Os Direitos económicos, sociais e culturais, diferentes dos Civis e Políticos, são direitos de comissão por parte do Estado. Isto é, já não bastava respeitar a vida, tinha que se garantir condições para o respeito da vida humana. A liberdade já não dizia só respeito à proibição de prisão arbitrária, mas também à criação de todas as condições para garantir a liberdade em todas as suas vertentes, etc…Aqui a ideia já não é tanto não agir para respeitar, mas sim agir para garantir as melhores condições de vida aos cidadãos.
 Estes Direitos Económicos, Sociais e culturais, foram contemplados, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de forma mais discreta, sendo assegurados direitos como o direito ao trabalho (art. 23º), o direito ao repouso e ao lazer (art. 24º), o direito à segurança social (arts. 22º e 25º) e o direito à educação (art. 26º) (17).
 O Pacto Internacional dos direitos económicos, sociais e culturais vem, de uma forma mais expressa reafirmar e prever vários outros direitos como o direito ao trabalho e à justa remuneração; o direito a formar e a associar-se a sindicatos; o direito a um nível de vida adequado; o direito à educação; o direito das crianças a não serem exploradas e o direito à participação na vida cultural da comunidade. 
 Os Direitos económicos, sociais e culturais, por exigirem do Estado um esforço do ponto de vista financeiro, foram estipulados como sendo normas programáticas; aquelas que não são possíveis de ser aplicadas de uma só vez. O próprio preâmbulo do
Pacto estabelece que os Estados se comprometem a garantir “a realização progressiva dos direitos sociais”. Esta ideia de programaticidade veio ser melhor realizada num caso célebre do Tribunal Federal Alemão, em que o governo não conseguiu responder a demanda de estudantes para o ensino superior, por falta de condições financeiras. Entretanto, os estudantes requereram a declaração de inconstitucionalidade deste acto por violação do Direito à educação.
                                                          
(15) Na nossa Constituição da República de Angola de 2010 eles estão previstos a partir do artigo 30º - 75º (16) «O marco para o surgimento da noção de direitos humanos de segunda geração foi a Revolução Industrial. O mundo ocidental implantava métodos e procedimentos baseados na mecânica e na produção em série. Com isso, a recém-formada classe dos trabalhadores passou a exigir direitos sociais que consolidassem o respeito à dignidade. Essa nova situação colocou o Estado na situação de se obrigar a interferir na economia, para evitar injustiças cometidas pelo capitalismo. Com isso, surgiram os direitos sociais, econômicos e cultural…» Ricardo Castilho, Direitos Humanos, Coleção Sinopses Jurídicas 30 - direitos humanos, Saraiva, 2011, pág. 18 e ss.
(17) Cf. Arts. 76º - 88º da CRA
Em decisão, o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha entendeu que «esses direitos a prestações positivas estão sujeitos à reserva do possível (18) no sentido daquilo que o indivíduo, de maneira racional, pode esperar da sociedade»(19). Essa teoria impossibilita exigências acima de um certo limite básico social, e a Corte recusou, então, o pedido de Inconstitucionalidade.
 Mas tal não significa que os Estados podem invocar tal cláusula convenientemente, pois uma das limitações à essa cláusula foi é a proibição do retrocesso ou princípio do não retorno da concretização, que consiste na vedação da eliminação da concretização já alcançada na proteção de algum direito, admitindo-se somente aprimoramentos e acréscimos. Quer dizer que atingido um determinado estádio de desenvolvimento, não mais se admite que haja retrocessos. E essa reserva do possível deve ser razoável, na medida em que só pode ser invocada quando as exigências sociais , verdadeiramente, não caibam na capacidade financeira do Estado.

             c). Direitos da 3ª geração: Os Direitos de Solidariedade/da Colectividade 

 Na terceira geração de direitos fundamentais, deixa-se de pensar só no indivíduo; transcende o indivíduo e converge com a própria existência do ser humano como um conjunto. Chegamos numa fase em que passamos a:
                                                «…Pensar o ser humano enquanto gênero e não                               adstrito ao indivíduo ou mesmo a uma colectividade determinada»
                                   (ARAUJO e NUNES JUNIOR, Apud FERRARESI,           
                         Camilo Stangherlim, Direitos Fundamentais e suas gerações, p. 331).
             
 São chamados de direitos de solidariedade pois são oriundos da constatação da vinculação do homem ao planeta Terra, com recursos finitos, e divisão absolutamente desigual de riquezas em verdadeiros círculos viciosos de miséria e ameaças cada vez mais concretas à sobrevivência da espécie humana.
 Estes direitos são aqueles de titularidade da comunidade, como: o direito ao desenvolvimento; direito à paz; direito à autodeterminação; e, em especial, o direito ao meio ambiente equilibrado (20).

             d). Outras Gerações de Direitos Fundamentais?
                                                          
(18) A expressão reserva do possível define a limitação dos recursos económicos disponíveis pela administração pública, a fim de suprir as necessidades do cidadão, que, em si, são obrigações do estadoadministração. Porém, os recursos não são ilimitados e, como tal, devem ser direccionados de maneira racional. Nestes termos, estes direitos subjectivos estão recortados dentro dos limites da razoabilidade…para mais desenvolvimentos, Cf. DE ARAÚJO, Kátia Patrícia, a reserva do possível. Os direitos fundamentais frente à escassez de recursos, Rev. Académica, vol. 83, 2001, pág. 443 e ss. (19) Vide. Colectânea das Decisões do Tribunal Constitucional Federal, nr. 33, S. 33347 (20) Art. 39º da CRA
Com o passar dos tempos, foram surgindo novas situações que não eram
“acobertadas” directamente pelos direitos constantes das anteriores classificações. Com isso, muitos autores têm falado de uma quarta geração de direitos fundamentais.
 Têm sido elencados, na quarta geração dos direitos fundamentais, direitos como: O direito à homossexualidade, o direito ao aborto, o direito à troca de sexo, o direito à Democracia, o direito à protecção do genoma humano21 etc… (BREGA FILHO, Apud FERRARESI, Camilo Stangherlim, Direitos Fundamentais e suas  Gerações, p. 333).
 Apresenta-se também, um leque de direitos que, alguma doutrina entende fazer parte da quinta geração dos direitos humanos, que envolvem a Cibernética e a Informática22. O acesso à informação vem sendo entendido como um factor importante para o fenómeno da Globalização. Porém, isto deve pressupor que todos os Estados estejam alinhados quanto a esse fim. Todos, inclusive os países menos desenvolvidos. Portanto, tem sido esse o conteúdo do direito ao acesso às tecnologias de informação.
Mas essas classificações estão longe de ser pacíficas, por várias razões, donde podemos realçar duas: 
-                     Por um lado, estes direitos não estão ainda suficientemente firmados em convenções internacionais e nas demais constituições dos Estados modernos. É certo que não é esse facto que faz negar categoricamente a sua natureza de direitos humanos. Mas  para considerarmos um direito humano como sendo fundamental, devemos analisar se a sua violação leva já, directamente, à violação da dignidade da pessoa humana, pois que só nesses casos poderemos admitir que tais direitos vingam suficientemente ao ponto de justificar uma nova classificação dos direitos fundamentais. É muito difícil conceber, por exemplo, uma situação em que a recusa da realização de aborto ou a troca de sexo violem a dignidade da pessoa humana (23). É que, muito pouco claro está, em que medida a limitação dessas acções são contrárias à dignidade da pessoa humana mas, no caso do aborto em específico, é mais pacífico o entendimento de que é o próprio aborto que põe em causa a vida do feto/embrião; 
-                     Por outra, dificilmente se consegue autonomizar esses direitos dos já existentes (24): questões como o direito à troca de sexo e à homossexualidade estão intrinsecamente ligados à liberdade individual. E o direito à paz parece ser apenas uma faceta do direito
                                                          
(21)             A quarta geração de direitos humanos está ligada à questão do biodireito… Foi, sem dúvida, por conta das atrocidades ocorridas durante a 2ª. Grande Guerra Mundial, mormente no que se refere a experimentos genéticos conduzidos nos campos de concentração do nazismo que o direito moderno passou-se a preocupar com a ética voltada para o trato das experiências com a genética e demais procedimentos médicos e biológicos; preocupação que deveria redundar na proteção da pessoa humana, quer de forma física, quer em sua dignidade, ocasionando, por sua vez, uma humanização do progresso científico. O Biodireito pode ser entendido como sendo conjuntos principiológicos que visam, de qualquer forma, proteger os cidadãos medianos dos possíveis excessos que possam ser objecto, por intermédio de cientistas nos seus trabalhos de pesquisa e investigação científica. Esta questão do Biodireito afigura-se como sendo de suma importância para o desenvolvimento do homem…Para maiores desenvolvimentos, vide Emmanuel Teófilo Furtado & Ana Stela Vieira Mendes, Os direitos humanos de 5ª geração…pág. 6970 
(22)             Idem…
(23)             Claro que estamos aqui a falar da dignidade da mulher enquanto ser que “suporta uma gravidade”, e não do feto, que por si só, justifica uma outra reflexão, e pode até servir de contra-argumento a tal tese.
(24)             BREGA FILHO, Vladimir, Direitos Fundamentais na Constituição de 1998: conteúdo jurídico das Expressões, São Paulo, Juarez de Oliveira, 2002, pág. 25
ao desenvolvimento. Não são nada mais que uma extensão, vertente ou revitalização desses direitos já existentes e bem mais consolidados.
             
 Por estas razões, entendemos que a ideia de uma 4ª ou 5ª geração de direitos fundamentais é uma questão que ainda não atingiu maturidade doutrinal e jurisprudencial suficiente para justificar a criação de uma quarta geração de direitos humanos fundamentais. 

7.  Considerações Finais

 Os Direitos Humanos constituem uma conquista irrevogável da pessoa humana enquanto detentora de dignidade absoluta. Não existe um rol taxativo daquilo que é ou venha a ser Direitos Humanos Fundamentais; o homem como ser sociável, vai mudando consoante razões de ordem histórica, política, económica, sociológica. Essas questões influem directamente nas necessidades do homem. Eles tendem a aumentar consoante aumentem também as necessidades das pessoas. 
 Os Estados, formalmente, estão engajados na promoção dos Direitos Humanos; entretanto, esses engajamentos são, na sua maioria, meros pressupostos para integração na comunidade internacional e obter vantagens de vária ordem. Por simples conveniência política ou económica. E isto deve-se, também, à natureza das normas de direito internacional que, de per si , não acarretam consequências jurídicas para os Estados que os desrespeitam; estamos como que à mercê da boa vontade dos demais Estados. A soberania ainda continua a pesar mais que os valores que são tão caros à democracia, como o são os direitos humanos. Nesse caso, cabe a nós, enquanto cidadãos, evidar esforços para impor o respeito dos Direitos Humanos e impulsionar os nossos tribunais internos a fazerem valer as grandes garantias fornecidas pela nossa Constituição.
             











8.  Bibliografia


_ARAUJO, Luiz Alberto David. NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano, Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Saraiva, 9ª edição, 2005
_BREGA FILHO, Vladimir, Direitos Fundamentais na Constituição de 1998: conteúdo jurídico das Expressões, São Paulo, Juarez de Oliveira, 2002
_CASTILHO, Ricardo, Direitos Humanos, Colecção Sinopses Jurídicas 30 - direitos humanos, Saraiva, 2011
_DA COSTA, Dalvan Alílio Herculano, objecções normativas a cláusula aberta de direitos fundamentais. O caso da «derrotabilidade», in Revista Juris, vol. I, Estudos em homenagem ao professor Adérito Correia, Faculdade de Direito da Universidade Católica de Angola, 2016
_DE ALMEIDA, M. Próspero de, da materialidade constitucional dos direitos fundamentais: (A) tipicidade dos direitos fundamentais?, 2019, disponível em https://drive.google.com/file/d/loL6TM7n9orAegnmFkLXepOJAyFadX8hl/view?usp=d rivesdk
_DE ARAÚJO, Kátia Patrícia, a reserva do possível. Os direitos fundamentais frente à escassez de recursos, Rev. Académica, vol. 83, 2001
_FERRARESI, Camilo Stangherlim, Direitos Fundamentais e suas gerações, in revista JurisFIB, III, ano III, 2012 
_FILHO, Casado Napoleão, Direitos Humanos Fundamentais, in Saberes do Direito 57, Saraiva, 2012
_ FURTADO, Emmanuel Teófilo & MENDES, Ana Stela Vieira, Os Direitos Humanos de 5ª Geração enquanto direito à paz e seus reflexos no mundo do trabalho - Inércias, avanços e retrocessos na constituição federal e na legislação, in Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, Brasília, 2018

_GOUVEIA, Jorge Bacelar, Manual de Direito Constitucional, vol.II, Coimbra, 2014
_MACHADO, E. M. Jónatas/ DA COSTA, Paulo Nogueira/ HILÁRIO, Carlos Esteves,
Direito Constitucional Angolano, 4ª ed., Petrony, 2017

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