Os Direitos Humanos Fundamentais
Por: Ferreira Caetano
Licenciado em Direito pela Universidade Católica de Angola
Investigador e Director do Gabinete Jurídico do ODFA
1. Introdução
2. Origem
dos Direitos Humanos
3. Direitos
Humanos vs. Direitos Fundamentais
4. Noção
de Direitos Humanos Fundamentais
5. As
principais características dos Direitos Humanos
a). A Universalidade (9)
b).
Imprescritibilidade
c).
Historicidade
d).
Aplicabilidade imediata e caráter declarativo
6. As
principais gerações dos direitos humanos
a).
Direitos da 1ª geração: Os Direitos Civis e Políticos
b).
Direitos da 2ª geração: Os Direitos económicos, sociais e culturais (16)
c).
Direitos da 3ª geração: Os Direitos de Solidariedade/da Colectividade
7. Considerações
Finais
8. Bibliografia
Licenciado em Direito pela Universidade Católica de Angola
Investigador e Director do Gabinete Jurídico do ODFA
Resumo:
Nos dias de
hoje, não é possível imaginar um Estado, cujos direitos humanos essenciais não
sejam reconhecidos. Todos eles reconhecem-nos, ao menos aqueles que
consideramos como sendo essenciais ao desenvolvimento integral do homem, nos
seus ordenamentos jurídicos. Estes direitos não são criados por uma entidade
oficial, mas se fazem valer, por si só, enquanto garante da dignidade da pessoa
humana, cujo respeito constitui um pilar de qualquer estado democrático de
direito.
Palavras-Chave:
Direitos
humanos; direitos fundamentais; cláusula aberta; direitos civis e políticos;
direitos económicos, sociais e culturais; reserva do possível; proibição do
retrocesso; direitos da colectividade.
Abreviaturas:
CRA –
Constituição da República de Angola; ONU – Organização das Nações Unidas; Vs. –
Versus.
Sumário:
1. Introdução;
2. Origem dos Direitos Humanos; 3.
Direitos Humanos vs. Direitos
Fundamentais; 4. Noção de Direitos Humanos Fundamentais; 5. As principais
características dos Direitos Humanos; 6. As principais gerações dos direitos
humanos; 7. Considerações Finais; 8. Bibliografia.
_____________________
(*) Director
do Gabinete Jurídico do Observatório de Direitos Fundamentais Angolano
1. Introdução
O presente trabalho tem o condão de servir
como uma “Introdução aos Direitos Humanos”, apresentando as linhas-mestras para
possíveis e melhores desenvolvimentos. Portanto, o objectivo não é que se dê
como terminado a presente problemática, mas que, isso sim, sirva de contributo
para o seu afloramento.
A nomenclatura direitos humanos/direitos fundamentais
não apresenta diferenças substanciais, ainda mais na nossa Constituição pelas
garantias que elas nos fornecem.
As
necessidades do homem tendem a evoluir, alargando também o seu grau de
aspirações para com o seu Estado. Cada facto social, político, económico ou
cultural faz o homem ter cada vez mais aspirações diante do Estado, que,
afinal, é o gestor do poder que lhe foi conferido pelas pessoas atravéz do
denominado “Contrato social”.
Estes ideais têm sido evidenciados
pelo fenómeno das “gerações dos direitos humanos”; Estes direitos são um dado
adquirido pois homem algum tem a possibilidade de abolí-los. Eles apresentam-se
como sendo, em primeira linha, direitos contra o Estado totalitário e
transformaram-se, depois, em um verdadeiro impulso para o desenvolvimento
integral da pessoa humana.
2. Origem
dos Direitos Humanos
Não é possível
divisar com toda a certeza o período em que se começou a dar importância aos
direitos humanos. Eles têm sido uma conquista de cada época, sendo certo que o
rol de direitos fundamentais tende a aumentar porque aumentam também as
necessidades humanas. Neste sentido, eles são conquistados e não outorgados.
Importa,
porém, destacar dois grandes marcos históricos que sublinham uma maior atenção
ao homem:
a). A
Revolução Francesa da qual proveio a Declaração Dos Direitos do Homem, em 26 de
Agosto de 1789. O seu principal marco foi a implementação de um ideal de
limitações aos “superpoderes” do Estado, principalmente no que concerne ao
respeito à liberdade individual na questão da legalidade na cobrança dos
impostos;
b). A II
Guerra Mundial, através do qual a ideia do individualismo estatal foi
profundamente ultrapassado e a generalidade dos Estados passaram a reconhecer
que, com os horrores da guerra, estava clara a necessidade de mobilização em
prol do reconhecimento de um conjunto de direitos inerentes à pessoa humana (1).
A Declaração Universal representa a consciência histórica de que a humanidade tem
os seus próprios valores fundamentais.
(1) Preâmbulo da Declaração Universal dos
Direitos Humanos da ONU de 1948
3. Direitos
Humanos vs. Direitos Fundamentais
O Direito
Constitucional dos Direitos Fundamentais é a protecção mais forte que se é dada
à pessoa humana pois, como refere Jorge Bacelar Gouveia, “em nenhum outro lugar do Direito Positivo estadual se pode dar…tanta
protecção à pessoa como pela consagração de direitos fundamentais" (2).
Portanto, esta
protecção não só lhe é dada pelo Direito Constitucional dos Direitos
Fundamentais, apesar de ser essa a tutela mais efectiva; ai temos outros ramos
do direito que vêm dar uma tutela, embora mais ou menos enfraquecida, em
relação ao Direito Constitucional, à pessoa humana.
O corpo a que,
no Direito Internacional Público, chamamos de direitos humanos são, na verdade, um conjunto de positivações dos
mais variados textos constitucionais dos diversos estados.
Assim, no
essencial, existe uma perfeita sincronia entre os direitos fundamentais
constitucionalizados e o Direito Internacional dos direitos humanos (3);
sendo certo que nem todos os Estados acompanham ao mesmo ritmo a formalização
dos direitos humanos, é certo, também, que os direitos humanos, quando
inovadores, servem, ao menos, de alerta para os legisladores internos no
sentido de acompanharem a dinâmica social e preverem, nas suas ordens
jurídicas, novos direitos humanos. Nesse caso, a principal distinção entre
direitos fundamentais e direitos humanos é que estes vêm consagrados sob a
égide do Direito Internacional Público e aqueles, já estão tipificados nas
constituições dos Estados; porém, no nosso ordenamento jurídico as normas que
versam sobre direitos fundamentais, embora não expressos na nossa constituição,
não deixam de ser materialmente constitucionais; portanto, é de pouca utilidade
a distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais. Assim, e seguindo
de perto De Almeida, M. Próspero (4),
Quanto à classificação dos direitos fundamentais, temos:
a). Direitos
fundamentais formalmente constitucionais;
b). Direitos materialmente fundamentais fora do
catálogo dos direitos fundamentais, mas exparsos na própria Constituição;
c). Direitos materialmente constitucionais
resultantes dos princípios e regras constitucionais;
d). Direitos materialmente constitucionais
constantes de dispositivos infraconstitucionais e de instrumentos de Direito
Internacional sobre Direitos Humanos.
(2)
Cf. Jorge Bacelar Gouveia, Manual de Direito
Constitucional, vol.II, Coimbra, 2014, Pág. 299
(3)
Vide. M.
Próspero de Almeida, da materialidade
constitucional dos direitos fundamentais… (4) Ibidem…
Em consequência do Princípio da
Cláusula Aberta (5) (6) (art. 26.º, CRA), todas as normas
respeitantes a direitos humanos, ainda que não incorporados na nossa
Constituição, são dela parte integrante, diluindo-se, assim, o interesse
prático em distinguir os direitos humanos dos fundamentais pois, em via de
regra, eles serão sinónimos. Por isso, por razões didáticas, abarcamos todos
eles num único conceito o de “direitos
humanos fundamentais”(7) Ou, quando nos referirmos a eles
distintamente, valerão como sinónimos.
4. Noção
de Direitos Humanos Fundamentais
É muito fácil determinar quando é que
certa acção é ou não contrária aos direitos humanos. Para tanto, basta que se
verifique que ela viole a dignidade da pessoa humana. Entretanto, já não é tão
pacífica assim a missão de estabelecer um conceito de direitos humanos
fundamentais.
Do pequeno estudo feito, achamos
pertinentes duas principais definições:
Uma, para a
qual, «…os direitos fundamentais são as posições jurídicas activas das pessoas
integradas no Estado-Sociedade, exercidas por contraposição ao EstadoPoder,
positivadas no texto constitucional…» (GOUVEIA; 2014).
E para outra
segundo qual «Os Direitos Humanos são um conjunto de direitos, positivados ou
não, cuja finalidade é assegurar o respeito à dignidade da pessoa humana, por
meio da limitação do arbítrio estatal e do estabelecimento da igualdade nos
pontos de partida dos indivíduos, em um dado momento histórico» (FILHO; 2012).
Preferimos
esta última noção que nos parece ser a mais suficiente para abarcar as diversas
vertentes dos direitos fundamentais. É que, e com a devida vênia, Jorge Bacelar
Gouveia apresenta-nos uma definição demasiadamente restrita aos direitos
fundamentais de 1ª geração, por serem eles que são exercidos como forma de
repelir as intervenções abusivas do Estado. Mas, como se verá(8), os
demais direitos já trazem uma vertente muito mais activa para o Estado. São
verdadeiros direitos a prestações positivas por parte do Estado.
5. As
principais características dos Direitos Humanos
Os direitos
humanos como um conjunto de direitos variados, pelo seu surgimento e até
eficácia, apresentam várias características que em si abundam.
(5) MACHADO, E.
M. JÓNATAS/ DA COSTA, PAULO NOGUEIRA/ HILÁRIO, CARLOS ESTEVES,
Direito Constitucional Angolano, 4ª ed., Petrony
Editora, 2017.
(6) DA COSTA,
Dalvan Alílio Herculano, objecções
normativas…in Revista Juris, vol.
I, Estudos em homenagem ao professor Adérito Correia, pág. 62, Faculdade de
Direito da Universidade Católica de Angola, 2016.
(7) Como também
o faz FILHO, Casado Napoleão, Direitos
Humanos Fundamentais, in Saberes do Direito 57, Saraiva Editora, 2012.
(8) Infra,
ponto 4.3
Logo, algumas delas são mais pacíficas que outras,
razão pela qual passamos a citar aquelas que achamos ser mais comuns e, por
isso, pouco contestáveis:
a). A Universalidade (9)
Isto significa
que os direitos humanos têm carácter universal; são aplicáveis à todos os seres
humanos, independentemente de raça, sexo, idade, convicções religiosas,
etc...Esta característica é tão essencial que ela é enunciada, pela doutrina e
várias constituições (10), como sendo um princípio universal. Esta
ideia de universalidade é tão cara à qualquer democracia liberal que se
justifica que seja um dos princípios basilares para a teoria geral dos direitos
fundamentais.
Esta ideia de universalidade não
pode deixar de estar estreitamente ligada ao princípio da igualdade, na medida
em que, se todos os seres humanos têm dignidade suficiente e necessária para
que lhes sejam reconhecidos todos os direitos humanos(11), é lógico
também que, em princípio, todos os homens mereçam que lhes sejam reconhecidos,
em igual medida, os mesmos direitos.
A nível
internacional, basta que invoquemos o art. 1º da Declaração Universal dos
Direitos Humanos de 1948 para sopesar a sua importância:
«…Todos os seres humanos nascem livres e iguais em
dignidade e em direitos […] devem agir uns para com os outros em espírito de
fraternidade…»
b).
Imprescritibilidade
Com isto se
quer dizer que os direitos humanos não são direitos sujeitos a prazo; eles não
prescrevem nem caducam. A partir do momento em que são fixados, passam a
vigorar ad eternum, ainda que um
Estado lhes venha limitar. Nesse caso não se diz que é o direito em si que se
extinguiu, mas que o Estado deixou de os prever na sua ordem jurídica.
Entretanto, afirmar que os Direitos Humanos sejam imprescritíveis não significa
que os crimes contra tais direitos também o sejam.
c).
Historicidade
Por serem
reivindicações morais de uma sociedade, os direitos humanos nascem quando devem
e podem nascer. Segundo Norberto Bobbio (12), «os direitos humanos
não nascem todos de uma vez nem de uma vez por todas».
(9) FILHO,
Casado Napoleão, ob. Cit…
(10)
Cf. Art. 22.º, CRA
(11)
Aqui a expressão direitos
humanos vem, essencialmente, exprimir a ideia de todos os direitos que
estão intrinsecamente ligados ao homem, como e enquanto tal; portanto, é numa
vertente mais jusnaturalista a que
nos referimos.
(12)
Apud, FILHO,
Casado Napoleão, ob. Cit…
Hannah Arendt, por seu turno,
celebrizou-se ao dizer que “os direitos humanos não são um dado, mas um
construído” (13).
Assim, temos
que os Direitos Humanos são uma criação humana em constante mutação. Nunca vai
existir um rol taxativo de direitos humanos. Eles tendem a evoluir com o passar
dos tempos.
d).
Aplicabilidade imediata e caráter declarativo
Com esta
característica queremos simplesmente dizer que pela importância que os direitos
humanos possuem no ordenamento jurídico, eles devem ser assegurados
independentemente de normas regulamentadoras. Ou seja, pelo simples facto de
terem sido declarados, já devem estar a disposição de todos.
Mas só se pode exigir a um Estado que respeite
os direitos humanos quando ele, ao menos, tenha ratificado a convenção que
declara tais direitos. Mas essa enunciação tem carácter meramente declaratório,
já que o facto de um diploma legal o prever não implica, de modo algum, que ele
passa a existir a partir daí. Por isso mesmo entendo que os direitos humanos
não são criados, são reconhecidos. Eles constituem uma conquista de cada
geração, ao longo dos tempos.
6. As
principais gerações dos direitos humanos
Apesar do tema
estar tipificado como “gerações dos direitos humanos”, esta enunciação não se
afigura como sendo a mais correta. A ideia de gerações pode levar o caro leitor
ao equívoco de pensar que eles sobrepõem-se aos outros com o passar dos tempos.
Eles são um dado adquirido e continuam sendo atuais em qualquer etapa de
desenvolvimento das sociedades. Por isso, parece-me mais adequado denominar-se
“dimensões dos direitos humanos”(14), termo este que melhor exprime
a ideia de que os direitos humanos são como as necessidades humanas, variam.
Por isso, faz sentido que os contextos, emoções e necessidades justifiquem uma
dinamicidade dos direitos, sem, entretanto, deixarem de ter importância e
actualidade para o homem.
a).
Direitos da 1ª geração: Os Direitos Civis e Políticos
Estes direitos
constituem a primeira grande dimensão de respeito pelos direitos humanos.
Caracterizam-se por, essencialmente, serem uma forma de limitação do Estado há
atropelos contra a dignidade da pessoa humana. Estes direitos implicam um
“nãofazer” do Estado; impõe limitações que não devem ser violados por dizerem
respeitos à direitos inerentes ao homem.
(13)
Idem…
(14)
FILHO, Casado Napoleão, Idem…
Entre os Direitos Civis e
Políticos previstos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU, de
1948, destacamos os seguintes: direito à vida e à liberdade (art. 3º);
igualdade de todos perante a lei (arts. 2º e 7º); liberdade de expressão (art.
19º); direito à reserva da intimidade privada (art. 11); presunção de inocência
(art. 9º); liberdade de associação (art. 20º) e liberdade de religião (art.
18º)(15).
O Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos que foi concluído em 1966, mas só
entrou em vigor em 1976 (devido ao nº necessário de ratificações), vem
desenvolver esse rol de direitos presentes na Declaração Universal e apresentar
algumas novidades, tais como: os direitos da criança e das minorias, previstos
nos arts. 24º e 27º do Pacto.
b).
Direitos da 2ª geração: Os Direitos económicos, sociais e culturais (16)
Os Direitos
económicos, sociais e culturais, diferentes dos Civis e Políticos, são direitos
de comissão por parte do Estado. Isto é, já não bastava respeitar a vida, tinha
que se garantir condições para o respeito da vida humana. A liberdade já não
dizia só respeito à proibição de prisão arbitrária, mas também à criação de
todas as condições para garantir a liberdade em todas as suas vertentes,
etc…Aqui a ideia já não é tanto não agir para respeitar, mas sim agir para
garantir as melhores condições de vida aos cidadãos.
Estes Direitos
Económicos, Sociais e culturais, foram contemplados, na Declaração Universal
dos Direitos Humanos, de forma mais discreta, sendo assegurados direitos como o
direito ao trabalho (art. 23º), o direito ao repouso e ao lazer (art. 24º), o
direito à segurança social (arts. 22º e 25º) e o direito à educação (art. 26º)
(17).
O Pacto
Internacional dos direitos económicos, sociais e culturais vem, de uma forma
mais expressa reafirmar e prever vários outros direitos como o direito ao
trabalho e à justa remuneração; o direito a formar e a associar-se a
sindicatos; o direito a um nível de vida adequado; o direito à educação; o
direito das crianças a não serem exploradas e o direito à participação na vida
cultural da comunidade.
Os Direitos económicos, sociais e culturais,
por exigirem do Estado um esforço do ponto de vista financeiro, foram
estipulados como sendo normas programáticas; aquelas que não são possíveis de
ser aplicadas de uma só vez. O próprio preâmbulo do
Pacto estabelece que os Estados se comprometem a
garantir “a realização progressiva dos direitos sociais”. Esta ideia de
programaticidade veio ser melhor realizada num caso célebre do Tribunal Federal
Alemão, em que o governo não conseguiu responder a demanda de estudantes para o
ensino superior, por falta de condições financeiras. Entretanto, os estudantes
requereram a declaração de inconstitucionalidade deste acto por violação do
Direito à educação.
(15) Na nossa Constituição da República de
Angola de 2010 eles estão previstos a partir do artigo 30º - 75º (16)
«O marco para o surgimento da noção de direitos humanos de segunda geração foi
a Revolução Industrial. O mundo ocidental implantava métodos e procedimentos
baseados na mecânica e na produção em série. Com isso, a recém-formada classe
dos trabalhadores passou a exigir direitos sociais que consolidassem o respeito
à dignidade. Essa nova situação colocou o Estado na situação de se obrigar a
interferir na economia, para evitar injustiças cometidas pelo capitalismo. Com
isso, surgiram os direitos sociais, econômicos e cultural…» Ricardo Castilho, Direitos Humanos, Coleção Sinopses
Jurídicas 30 - direitos humanos, Saraiva, 2011, pág. 18 e ss.
(17) Cf. Arts. 76º - 88º da CRA
Em decisão, o Tribunal
Constitucional Federal da Alemanha entendeu que «esses direitos a prestações
positivas estão sujeitos à reserva do possível (18) no sentido
daquilo que o indivíduo, de maneira racional, pode esperar da sociedade»(19).
Essa teoria impossibilita exigências acima de um certo limite básico social, e
a Corte recusou, então, o pedido de Inconstitucionalidade.
Mas tal não
significa que os Estados podem invocar tal cláusula convenientemente, pois uma
das limitações à essa cláusula foi é a proibição do retrocesso ou princípio do
não retorno da concretização, que consiste na vedação da eliminação da
concretização já alcançada na proteção de algum direito, admitindo-se somente
aprimoramentos e acréscimos. Quer dizer que atingido um determinado estádio de
desenvolvimento, não mais se admite que haja retrocessos. E essa reserva do
possível deve ser razoável, na medida em que só pode ser invocada quando as
exigências sociais , verdadeiramente, não caibam na capacidade financeira do
Estado.
c).
Direitos da 3ª geração: Os Direitos de Solidariedade/da Colectividade
Na terceira
geração de direitos fundamentais, deixa-se de pensar só no indivíduo;
transcende o indivíduo e converge com a própria existência do ser humano como
um conjunto. Chegamos numa fase em que passamos a:
«…Pensar
o ser humano enquanto gênero e não adstrito
ao indivíduo ou mesmo a uma colectividade determinada»
(ARAUJO
e NUNES JUNIOR, Apud FERRARESI,
Camilo
Stangherlim, Direitos Fundamentais e suas gerações, p. 331).
São chamados
de direitos de solidariedade pois são oriundos da constatação da vinculação do
homem ao planeta Terra, com recursos finitos, e divisão absolutamente desigual
de riquezas em verdadeiros círculos viciosos de miséria e ameaças cada vez mais
concretas à sobrevivência da espécie humana.
Estes direitos
são aqueles de titularidade da comunidade, como: o direito ao desenvolvimento;
direito à paz; direito à autodeterminação; e, em especial, o direito ao meio
ambiente equilibrado (20).
d).
Outras Gerações de Direitos Fundamentais?
(18) A expressão reserva do possível define
a limitação dos recursos económicos disponíveis pela administração pública, a
fim de suprir as necessidades do cidadão, que, em si, são obrigações do
estadoadministração. Porém, os recursos não são ilimitados e, como tal, devem
ser direccionados de maneira racional. Nestes termos, estes direitos
subjectivos estão recortados dentro dos limites da razoabilidade…para mais
desenvolvimentos, Cf. DE ARAÚJO, Kátia Patrícia, a reserva do possível. Os direitos fundamentais frente à escassez de
recursos, Rev. Académica, vol. 83, 2001, pág. 443 e ss. (19)
Vide. Colectânea das Decisões do Tribunal Constitucional Federal, nr. 33, S.
33347 (20) Art. 39º da CRA
Com o passar dos tempos, foram surgindo novas
situações que não eram
“acobertadas” directamente pelos direitos constantes
das anteriores classificações. Com isso, muitos autores têm falado de uma
quarta geração de direitos fundamentais.
Têm sido
elencados, na quarta geração dos direitos fundamentais, direitos como: O
direito à homossexualidade, o direito ao aborto, o direito à troca de sexo, o
direito à Democracia, o direito à protecção do genoma humano21 etc…
(BREGA FILHO, Apud FERRARESI, Camilo
Stangherlim, Direitos Fundamentais e
suas Gerações, p. 333).
Apresenta-se também, um leque de direitos
que, alguma doutrina entende fazer parte da quinta geração dos direitos
humanos, que envolvem a Cibernética e a Informática22. O acesso à
informação vem sendo entendido como um factor importante para o fenómeno da
Globalização. Porém, isto deve pressupor que todos os Estados estejam alinhados
quanto a esse fim. Todos, inclusive os países menos desenvolvidos. Portanto,
tem sido esse o conteúdo do direito ao acesso às tecnologias de informação.
Mas essas classificações estão
longe de ser pacíficas, por várias razões, donde podemos realçar duas:
-
Por um lado, estes direitos não estão ainda
suficientemente firmados em convenções internacionais e nas demais
constituições dos Estados modernos. É certo que não é esse facto que faz negar
categoricamente a sua natureza de direitos humanos. Mas para considerarmos um direito humano como
sendo fundamental, devemos analisar se a sua violação leva já, directamente, à violação
da dignidade da pessoa humana, pois que só nesses casos poderemos admitir que
tais direitos vingam suficientemente ao ponto de justificar uma nova
classificação dos direitos fundamentais. É muito difícil conceber, por exemplo,
uma situação em que a recusa da realização de aborto ou a troca de sexo violem
a dignidade da pessoa humana (23). É que, muito pouco claro está, em
que medida a limitação dessas acções são contrárias à dignidade da pessoa
humana mas, no caso do aborto em específico, é mais pacífico o entendimento de
que é o próprio aborto que põe em causa a vida do feto/embrião;
-
Por outra, dificilmente se consegue autonomizar
esses direitos dos já existentes (24): questões como o direito à
troca de sexo e à homossexualidade estão intrinsecamente ligados à liberdade
individual. E o direito à paz parece ser apenas uma faceta do direito
(21)
A quarta geração de direitos humanos está ligada à
questão do biodireito… Foi, sem dúvida, por conta das atrocidades ocorridas
durante a 2ª. Grande Guerra Mundial, mormente no que se refere a experimentos
genéticos conduzidos nos campos de concentração do nazismo que o direito
moderno passou-se a preocupar com a ética voltada para o trato das experiências
com a genética e demais procedimentos médicos e biológicos; preocupação que
deveria redundar na proteção da pessoa humana, quer de forma física, quer em
sua dignidade, ocasionando, por sua vez, uma humanização do progresso
científico. O Biodireito pode ser entendido como sendo conjuntos principiológicos
que visam, de qualquer forma, proteger os cidadãos medianos dos possíveis
excessos que possam ser objecto, por intermédio de cientistas nos seus
trabalhos de pesquisa e investigação científica. Esta questão do Biodireito
afigura-se como sendo de suma importância para o desenvolvimento do homem…Para
maiores desenvolvimentos, vide Emmanuel Teófilo Furtado & Ana
Stela Vieira Mendes, Os direitos humanos de 5ª geração…pág. 6970
(22)
Idem…
(23)
Claro que estamos aqui a falar da dignidade da mulher
enquanto ser que “suporta uma gravidade”, e não do feto, que por si só,
justifica uma outra reflexão, e pode até servir de contra-argumento a tal tese.
(24)
BREGA FILHO, Vladimir, Direitos Fundamentais na
Constituição de 1998: conteúdo jurídico das Expressões, São Paulo, Juarez de
Oliveira, 2002, pág. 25
ao desenvolvimento. Não são nada mais que uma
extensão, vertente ou revitalização desses direitos já existentes e bem mais
consolidados.
Por estas
razões, entendemos que a ideia de uma 4ª ou 5ª geração de direitos fundamentais
é uma questão que ainda não atingiu maturidade doutrinal e jurisprudencial
suficiente para justificar a criação de uma quarta geração de direitos humanos
fundamentais.
7. Considerações
Finais
Os Direitos
Humanos constituem uma conquista irrevogável da pessoa humana enquanto
detentora de dignidade absoluta. Não existe um rol taxativo daquilo que é ou
venha a ser Direitos Humanos Fundamentais; o homem como ser sociável, vai
mudando consoante razões de ordem histórica, política, económica, sociológica.
Essas questões influem directamente nas necessidades do homem. Eles tendem a
aumentar consoante aumentem também as necessidades das pessoas.
Os Estados,
formalmente, estão engajados na promoção dos Direitos Humanos; entretanto,
esses engajamentos são, na sua maioria, meros pressupostos para integração na
comunidade internacional e obter vantagens de vária ordem. Por simples
conveniência política ou económica. E isto deve-se, também, à natureza das
normas de direito internacional que, de
per si , não acarretam consequências jurídicas para os Estados que os
desrespeitam; estamos como que à mercê da boa vontade dos demais Estados. A
soberania ainda continua a pesar mais que os valores que são tão caros à
democracia, como o são os direitos humanos. Nesse caso, cabe a nós, enquanto
cidadãos, evidar esforços para impor o respeito dos Direitos Humanos e
impulsionar os nossos tribunais internos a fazerem valer as grandes garantias
fornecidas pela nossa Constituição.
8. Bibliografia
_ARAUJO, Luiz Alberto David. NUNES JÚNIOR, Vidal
Serrano, Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Saraiva, 9ª edição,
2005
_BREGA FILHO, Vladimir, Direitos
Fundamentais na Constituição de 1998: conteúdo jurídico das Expressões,
São Paulo, Juarez de Oliveira, 2002
_CASTILHO, Ricardo, Direitos Humanos,
Colecção Sinopses Jurídicas 30 - direitos humanos, Saraiva, 2011
_DA COSTA, Dalvan Alílio Herculano, objecções
normativas a cláusula aberta de direitos fundamentais. O caso da
«derrotabilidade», in Revista
Juris, vol. I, Estudos em homenagem ao professor Adérito Correia, Faculdade
de Direito da Universidade Católica de Angola, 2016
_DE ALMEIDA, M. Próspero de, da materialidade constitucional dos direitos
fundamentais: (A) tipicidade dos direitos fundamentais?, 2019, disponível em https://drive.google.com/file/d/loL6TM7n9orAegnmFkLXepOJAyFadX8hl/view?usp=d
rivesdk
_DE ARAÚJO, Kátia Patrícia, a
reserva do possível. Os direitos fundamentais frente à escassez de recursos,
Rev. Académica, vol. 83, 2001
_FERRARESI, Camilo Stangherlim, Direitos Fundamentais e suas
gerações, in revista JurisFIB, III, ano III, 2012
_FILHO, Casado Napoleão, Direitos Humanos Fundamentais,
in Saberes do Direito 57, Saraiva, 2012
_ FURTADO, Emmanuel
Teófilo & MENDES, Ana Stela Vieira, Os Direitos Humanos de 5ª Geração enquanto
direito à paz e seus reflexos no mundo do trabalho - Inércias, avanços e
retrocessos na constituição federal e na legislação, in Anais do XVII Congresso Nacional do
CONPEDI, Brasília, 2018
_GOUVEIA, Jorge Bacelar, Manual de Direito Constitucional,
vol.II, Coimbra, 2014
_MACHADO, E. M. Jónatas/ DA
COSTA, Paulo Nogueira/ HILÁRIO, Carlos Esteves,
Direito Constitucional Angolano, 4ª
ed., Petrony, 2017
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